Hoje estava a ouvir na rádio a história de alguém que criou um brinquedo para crianças cegas. A reportagem acabou com um fatal "Fulana-tal espera agora que empresas do ramo lhe façam uma proposta para produção do brinquedo." Que diabo! Como é que querem andar para a frente e sair desta crise se ficam à espera de convites e propostas?! Acham-se assim tão geniais que as empresas vão todas a correr fazer ofertas para comprar os direitos de produção? E que tal se a senhora que criou essa genial invenção fosse arranjar um empréstimo, pedir dinheiro à família, fazer uma colecta na escola onde dá aulas, sei lá!, e ir ela própria encomendar às empresas que lhe produzam a sua invenção, investir nessa criação em que acredita?
Coisa n.º 2
O nosso Primeiro-Ministro cometeu a gaffe de sugerir aos nossos professores desempregados que procurassem oportunidades em países de expressão portuguesa. Para mim é uma gaffe lamentável já que veio de um Primeiro-Ministro, mas todos nós sabemos que, bem lá no fundo, não é um conselho de desaproveitar ou descabido. Muitos dos nossos amigos já nos deram esse conselho em alguma ocasião da nossa vida.
Isto fez-me reflectir no estado da minha geração. Loser ou lost?
Por um lado, e à primeira vista, sou uma loser: estudei para ser designer, até nem era má aluna, ganhei um premiozito, esforcei-me, viajei à procura de mais coisas, já trabalhei aqui e acolá mas a verdade é que fui parar atrás de um balcão de uma loja.
No entanto, é este balcão de loja que me permite várias coisas que são muito mais importantes que um emprego como designer: posso ser independente financeiramente, posso ajudar a minha família quando ela precisa, posso pagar um dinner and movies de vez em quando e posso - voilá! - ser designer! Sem patrões, sem exigências e dependendo apenas de mim e da minha criatividade! Porque com o que ganho, consigo (ainda) comprar material para produzir as minhas peças, pelas quais sou mais reconhecida do que alguma vez fui como designer-por-conta-de-outrem. Mas não fico à espera de convites e propostas! Em seis anos batalha-se para vender as nossas coisas, procuram-se fornecedores, procuram-se vendedores, procuram-se oportunidades. Às vezes conseguimos, outras vezes não. Umas vezes adoram-nos, outras não nos ligam nenhuma. Não estou rica, é verdade, mas será que preciso ser?
O que não estou é lost! E é isto que a nossa geração não pode estar! Os meus conterrâneos ficaram muito indignados com a ideia do Primeiro-Ministro. Mas porquê?
Há quem seja genial (como talvez a senhora do brinquedo para cegos) e que é convidado para as empresas e para bons cargos - devem ser 0,01% da população, na melhor das hipóteses. E há os assim-assim - nós todos, o resto.
Ora se se é genial, não se terá problemas, porque há lugar para génios em qualquer lado, seja aqui em Portugal, seja no Burquina-Faso. Se se é assim-assim temos então as duas opções:
- opção 1 - ficar cá em Portugal e desenrascar-se com um emprego qualquer para o qual não se aspirou;
- opção 2 - ir para o estrangeiro e tentar a sorte numa carreira profissional para a qual se investiu.
Na opção 2, se se sente assim tanto o chamamento para uma profissão, para uma carreira, ao ponto de não sermos de maneira nenhuma felizes se não formos editores 3D na Pixar, então temos mesmo de "embalar a trouxa e zarpar". Tiriri tiriri tiririiitiiaiê. Então por que ficam tão indignados com o conselho do Primeiro-Ministro? Façam-se à vida! E sim, para esta opção também é precisa muita determinação e trabalho. Pois claro que ficam longe da famílias, dos amigos, do sol e dos pastéis-de-nata, mas se se sente assim tanto o "chamamento" isso não será problema. Se o é, escolham a opção 1.
A senhora dos brinquedos para crianças cegas, parece-me estar um pouco lost também. Dá a ideia de que não faz ideia nenhuma sobre o que fazer com a sua invenção. E parece-me que a minha geração está assim também: não sabe o que fazer com tanta educação e licenciatura.
Das duas maneiras não se pode perder a cabeça, ou seja, lost: tem de se saber o que se quer da vida, as prioridades, o que valorizamos, o caminho para se atingir os objectivos.
É que quando ganhamos também perdemos. E quando julgamos que já não temos nada a perder, é quando começamos a ganhar. Temos é de saber com que linhas nos cosemos.