27 dezembro, 2011

Loser ou lost?

Coisa n.º1:
Hoje estava a ouvir na rádio a história de alguém que criou um brinquedo para crianças cegas. A reportagem acabou com um fatal "Fulana-tal espera agora que empresas do ramo lhe façam uma proposta para produção do brinquedo." Que diabo! Como é que querem andar para a frente e sair desta crise se ficam à espera de convites e propostas?! Acham-se assim tão geniais que as empresas vão todas a correr fazer ofertas para comprar os direitos de produção? E que tal se a senhora que criou essa genial invenção fosse arranjar um empréstimo, pedir dinheiro à família, fazer uma colecta na escola onde dá aulas, sei lá!, e ir ela própria encomendar às empresas que lhe produzam a sua invenção, investir nessa criação em que acredita? 

Coisa n.º 2
O nosso Primeiro-Ministro cometeu a gaffe de sugerir aos nossos professores desempregados que procurassem oportunidades em países de expressão portuguesa. Para mim é uma gaffe lamentável já que veio de um Primeiro-Ministro, mas todos nós sabemos que, bem lá no fundo, não é um conselho de desaproveitar ou descabido. Muitos dos nossos amigos já nos deram esse conselho em alguma ocasião da nossa vida.

Isto fez-me reflectir no estado da minha geração. Loser ou lost?

Por um lado, e à primeira vista, sou uma loser: estudei para ser designer, até nem era má aluna, ganhei um premiozito, esforcei-me, viajei à procura de mais coisas, já trabalhei aqui e acolá mas a verdade é que fui parar atrás de um balcão de uma loja.
No entanto, é este balcão de loja que me permite várias coisas que são muito mais importantes que um emprego como designer: posso ser independente financeiramente, posso ajudar a minha família quando ela precisa, posso pagar um dinner and movies de vez em quando e posso - voilá! - ser designer! Sem patrões, sem exigências e dependendo apenas de mim e da minha criatividade! Porque com o que ganho, consigo (ainda) comprar material para produzir as minhas peças, pelas quais sou mais reconhecida do que alguma vez fui como designer-por-conta-de-outrem. Mas não fico à espera de convites e propostas! Em seis anos batalha-se para vender as nossas coisas, procuram-se fornecedores, procuram-se vendedores, procuram-se oportunidades. Às vezes conseguimos, outras vezes não. Umas vezes adoram-nos, outras não nos ligam nenhuma. Não estou rica, é verdade, mas será que preciso ser?

O que não estou é lost! E é isto que a nossa geração não pode estar! Os meus conterrâneos ficaram muito indignados com a ideia do Primeiro-Ministro. Mas porquê?
Há quem seja genial (como talvez a senhora do brinquedo para cegos) e que é convidado para as empresas e para bons cargos - devem ser 0,01% da população, na melhor das hipóteses. E há os assim-assim - nós todos, o resto.
Ora se se é genial, não se terá problemas, porque há lugar para génios em qualquer lado, seja aqui em Portugal, seja no Burquina-Faso. Se se é assim-assim temos então as duas opções:
  • opção 1 - ficar cá em Portugal e desenrascar-se com um emprego qualquer para o qual não se aspirou; 
  • opção 2 - ir para o estrangeiro e tentar a sorte numa carreira profissional para a qual se investiu.
Na opção 1, podemos sempre dar a volta ao texto e ser designer/ arquitecto/ advogado (as profissões liberais, aqui, têm mais vantagem, é certo) na mesma: arranjamos um trabalho que pague as contas e se soubermos gerir bem a coisa, fora de horas de expediente, ainda fazemos os nossos trabalhos - para esta opção é preciso muita determinação e trabalho. Um dia a coisa pode correr bem e largamos o "emprego". Entretanto, vamos mostrando do que somos capazes, por nossa conta.
Na opção 2, se se sente assim tanto o chamamento para uma profissão, para uma carreira, ao ponto de não sermos de maneira nenhuma felizes se não formos editores 3D na Pixar, então temos mesmo de "embalar a trouxa e zarpar". Tiriri tiriri tiririiitiiaiê. Então por que ficam tão indignados com o conselho do Primeiro-Ministro? Façam-se à vida! E sim, para esta opção também é precisa muita determinação e trabalho. Pois claro que ficam longe da famílias, dos amigos, do sol e dos pastéis-de-nata, mas se se sente assim tanto o "chamamento" isso não será problema. Se o é, escolham a opção 1.

A senhora dos brinquedos para crianças cegas, parece-me estar um pouco lost também. Dá a ideia de que não faz ideia nenhuma sobre o que fazer com a sua invenção. E parece-me que a minha geração está assim também: não sabe o que fazer com tanta educação e licenciatura.

Das duas maneiras não se pode perder a cabeça, ou seja, lost: tem de se saber o que se quer da vida, as prioridades, o que valorizamos, o caminho para se atingir os objectivos.

É que quando ganhamos também perdemos. E quando julgamos que já não temos nada a perder, é quando começamos a ganhar. Temos é de saber com que linhas nos cosemos.

2 comentários:

Billy disse...

Estou 100% de acordo contigo na coisa n.1: ficar à espera não resulta e é o principal problema de atitude que herdámos e perpetuamos.

Estou de acordo contigo na coisa n. 2, a saber: a emigração é uma excelente experiência e fará certamente muito bem a quem optar por essa via. Porém, o Primeiro-Ministro tem a obrigação de inspirar os portugueses a acreditar em Portugal. Na minha opinião, o que ele devia fazer era incentivar as pessoas a criar o seu emprego, não a procurar emprego.

Mandando as pessoas embora, passa a mensagem de que o país já não oferece esperança; por outro lado, dentro de dez anos em vez de termos um tecido empresarial muito mais variado, cheio de inovadores que arriscaram, temos um deserto de empresas, com ainda menos trabalho.

Não é que emigrar seja mau; é que seja ele a dizê-lo.

Beijinhos!

do not push my buttons! disse...

Completamente de acordo!

O que não podemos é ficar aqui de braços cruzados a cantar o Fado "Coitadinhos de Nós", interpretado por uma população inteira e letra do Governo!