1. Aqui há tempos, cá em casa tínhamos comprado um disco externo todo "kitado", cheio de memória fresquinha para armazenarmos todas as nossas preciosidades em bites e bytes e megabytes e coiso e tal. No dia em que quis ligar essa geringonça que me ia permitir guardar a minha vidinha, a geringonça não se deu bem com o PC e não se quis conectar a ele. Na manhã seguinte, tentei insistir: "Caramba, vocês têm de se dar bem!"... e o PC resmungou, amuou e calou-se para sempre! O disco interno... (até me custa dizê-lo)... foi-se! Pifou. Deu o berro. Foi para os anjinhos e com ele levou 5 anos de trabalhos, de fotografias, de documentos. Tudo para o galheiro.
Agora tenho um disco em branco. Sem graça e sem nada. Vou para escolher fotografias e tenho meia dúzia delas. E o que me salvou? O MEU BLOGUE! Felizmente partilho convosco grande parte da minha vida que se traduz em imagens e assim consegui um backup sempre acessível e só com as coisas importantes!
2. O meu tio Chico. O irmão mais novo do meu pai. O que tinha fama de ter um feitio difícil e caprichoso (não sei, não posso confirmar). Não o via há uns 14 anos porque ele e os meus pais não se falavam. Desentenderam-se por causa de mal-entendidos e palavras que ficaram sempre por dizer. E acabaram por não mais dizê-las. Porém, a vida dá muitas voltas e o que tem de ser dito, há-de lá chegar.
Como dizia José Saramago "Chegamos sempre aonde somos esperados." Não pode haver verdade mais certa que esta: para as palavras, para as pessoas e para as coisas.
Era para ter ido passar mais uns dias a Porto Côvo e à última hora mudei de planos: fui para o Norte em vez de ir para o Sul. Queria visitar Guimarães, Viana do Castelo e Braga.
Soube que o meu tio estava muito doente através do meu querido primo, que felizmente sempre manteve o contacto connosco e que vive na Holanda. E numa quinta feira à noite, ele liga-me a dizer que o pai está muito mal e que vai fazer de tudo para ir o mais rapidamente possível vê-lo ao Porto (onde ele estava). Mas da Holanda ao Porto vai uma viagem que não se arranja do pé para a mão e eu, estando em Guimarães a passear por uns dias, garanti-lhe que enquanto ele não chegasse que eu própria o iria ver ao hospital.
E fui.
A caminho de lá, as minhas pernas diziam que não queriam andar. O meu coração acelerou como se quisesse fugir dali para fora e faltou-me o ar à entrada do hospital. Por momentos julguei que, mais uma vez, os joelhos me iriam fraquejar, que eu ia cair estatelada no chão mas aguentaram-se firmes. Uma inspiração profunda e "Tens de ir!"
Eu não sou pessoa de abraços ou de beijinhos. Não sou. Mas tive tanta vontade de o agarrar e se ele fosse mais pequeno punha-o ao meu colo e dizia-lhe que ia tudo ficar bem. Tive vontade de o aquecer porque ele estava gelado. A vida estava a sair daquela pessoa que era linda e que me parecia uma diferente combinação das características do meu pai: todos os componentes físicos estavam lá mas noutra disposição. Há 14 anos que não o via e na última vez ele estava tão bem disposto e tão amável para com as sobrinhas. Ali estava ele, semi-consciente, a tentar manter-se deste lado e a querer ir para o outro o mais rapidamente possível. Passei-lhe a mão pelo cabelo grisalho, dei-lhe muitos beijinhos na testa, agarrei-lhe a mão com força, tentei passar-lhe todo o meu carinho em doses concentradas de efeito rápido. Quer ele estivesse consciente ou não, o afeto e o calor humano, o calor de alguém, passou, chegou lá. Possivelmente as palavras não chegaram, mas foram ditas. O que o meu pai não disse, disse eu, mostrei eu. Disse-lhe que tinha um filho lindo e que tinha a quem sair. Mostrei-lhe a fotografia da minha irmã e ele arregalou os olhos em reconhecimento e falamos de gatos à nossa maneira: este era o homem que era conhecido por adorar animais, que via televisão com um periquito ao ombro, que soltava os pássaros em casa, que ensinava papagaios a falar, que tinha 4 gatos e que me perguntou quantos gatos tinha eu.
Despedi-me em rios de lágrimas.
O meu primo chegara a Lisboa, estava quase a terminar uma longa viagem de comboio e de avião que passou por Bruxelas, Paris e o mundo inteiro. A 300km, recebe a notícia que já não chegava a tempo.
Eu acho que ele foi mais que pontual. Tinha de estar no sítio onde era esperado. O pai não deveria querer que o filho o sentisse frio.
O meu pai também pôs as diferenças de lado e também o foi ver, no dia seguinte, mas no dia em que tinha de ser - o dia em que iria dizer abraçando os irmãos restantes "Era preciso isto acontecer?".
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