Sei de dois fantasmas cujos espectros vagueiam no aeroporto e arredores. Parecem condenados e dão-me ideias para histórias trágicas a branco e preto. Preto muito escuro e branco obscuro. Mas os factos que vos conto aqui, não são histórias. Apesar de eu preferir que antes fossem.
Todos os dias estaciono o carro a uns 10 minutos a pé do meu trabalho. Quando chego, o sol, as galinhas e as pessoas todas ainda estão a dormir. Incluindo o Morador-do-Viaduto. Trata-se de alguém a quem só vejo a silhueta encolhida em cobertores com flores cor-de-rosa e que suspeito ser a pessoa disforme (com uma deficiência física muitíssimo visível e incapacitante) que encontro no meu regresso ao carro depois da minha jornada de trabalho, 8 horas depois, portanto, a pedir umas moedas no semáforo da rotunda. Posso dizer-vos que, às 6h da manhã, está sempre muito frio e cada vez que ali passo imagino o frio que não será dormir em cima das pedras que compõem o declive de suporte ao viaduto. Ao frio, junte-se-lhe o barulho dos carros que já lá passam (e passam pela noite fora), o fumo dos respectivos, a humidade da noite e a fome daquele estômago.
Mas passo por essa silhueta e baixo os olhos. Como todos nós fazemos. Desejando que não tivesse visto o que vi. E continua lá.
Quem também continua "lá" é a "Noiva Eterna". Este foi um nome romanceado que inventei porque, quando me apercebi deste fantasma, irresistivelmente, desenrolei o novelo de uma novela mexicana que terminou mal e terá ficado encarcerada para a eternidade nesta vida com olheiras fundas e cabelo apanhado. Estou a falar de uma senhora, com uns 70 e tal anos, robusta, alta, cabelo grisalho, que, ao longe, muito bem composta, empurra um carrinho de transporte de bagagem onde descansam 2 malas grandes de viagem. Uma viagem que não se concretiza nunca, pois a senhora surge-me uma e outra e outra vez, com as mesmas malas, as mesmas olheiras, os mesmos sapatos azuis grandes demais para o seu pé, as mesmas meias de vidro de tão rasgadas já sem pé, no mesmo local antes de qualquer check-in e a vaguear lentamente no aeroporto, como quem faz um compasso de espera diário de uma escala que nunca vai acontecer, de um companheiro de viagem que nunca cumprirá a promessa de ser feliz-para-sempre-tu-e-eu, de um filho que não vai poder ver mais. Foi a minha mesquinhez feminina que me fez reparar nela: uns sapatos azuis a chinelar numa senhora tão bem posta mas sem imagem no espelho. Hoje dei comigo a pensar onde será que ela dorme, se é que dorme, o que têm aquelas malas dentro. Anteontem a senhora-fantasma pediu uma colher no café e fiquei com a ideia que lha deram sem a ver. Eu vi. E já estou a baixar os olhos outra vez.
21 fevereiro, 2009
19 fevereiro, 2009
05 fevereiro, 2009
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